quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A MANGA


De faca em punho arremango as mangas, e independente da redundância começo a introduzir a faquita na casca vermelho-alaranjada. Correm suas primeiras lágrimas, consistentes, mas não tenho dó, continuo por rixa a destrinchar a manga. Fruta madura que docemente me convida ao experimento. A cada fatia que levo à boca com delicadeza de artesão, uma nova sensação toma conta do organismo inteiro. Por um instante tornamo-nos um. Eu a experimentei enquanto ela era degustada pelo meu paladar afoito. Minutos depois, sem qualquer arrependimento, acendo um cigarro, digestivo próprio para a ocasião, enquanto aceno para as crianças da janela. Daquele dia resta a lembrança do sabor e o cheiro da casca, que levou três dias para sair do prato. Senti-me um sádico, embora nas semanas seguintes a manga tenha se tornado parte de um ritual de prazer gastronômico. Desvendei a manga, até sua exaustão, mas passei a invejar a pureza daquelas crianças...